26.9.08

A Quinta do Covelo no tempo do Cerco


Acabo de constatar, com alguma alegria e justificada satisfação, naturalmente (é sempre bom saber que ainda há quem se interesse pela história desta cidade), que a maior parte da correspondência, e-mails, mensagens e telefonemas que recebo, por causa destas crónicas portuenses, provêm de gente moça que anda a fazer trabalhos académicos sobre o Porto.

Como é o caso da pergunta que me foi dirigida por um estudante do Secundário e que deu origem à presente crónica. A questão formulada foi a seguinte "… que batalha foi a que destruiu a casa e a capela da Quinta do Covelo ?". Comecemos pela história da propriedade.

No século XVIII, aí por 1720, a quinta, então chamada do Lindo Vale ou da Boa Vista, pertencia a um fidalgo chamado Pais de Andrade. Pela morte deste passou, por herança, para duas filhas que a venderam a um negociante chamado Manuel José do Covelo. A partir daqui fica-se a saber por que é que a quinta se passou a chamar do Covelo. No século XIX há o registo de nova mudança de dono por 1829 ou 1830, a quinta foi vendida, pelos descendentes do Covelo, a Manuel Pereira da Rocha Paranhos e passou a ser conhecida, também, por Quinta do Paranhos. O Manuel José do Covelo foi sepultado num mausoléu de pedra no interior da capela que tinha Santo António como padroeiro. O que resta dessa grande propriedade pertence, hoje, à Câmara do Porto que ali instalou um parque público. A casa e a capela, um belíssimo conjunto da Arquitectura setecentista, foram incendiadas e destruídas, em 16 de Setembro de 1832, na sequência de combates entre liberais e miguelistas, ocorridos durante o Cerco do Porto.

Logo a seguir à entrada no Porto do Exército Liberal, a 9 de Julho de 1832, os miguelistas trataram de montar, a partir do que, então, eram considerados os arrabaldes da cidade, um apertado cerco aos sitiados. Nesse sentido , criaram posições ofensivas em sítios de onde mais facilmente, através das suas peças de artilharia, lhes fosse possível atingir o centro da cidade e, ao mesmo tempo, impedir o reabastecimento das tropas liberais e dos próprios civis.

O alto do Covelo, a que popularmente se chamava "o monte", foi considerado pelas tropas absolutistas como o sítio ideal para montar a artilharia que havia de metralhar o centro do Porto e vigiar as movimentações de civis no sentido de impedir, por exemplo, que os lavradores de Paranhos introduzissem na cidade mantimentos e outros viveres através da estrada da Cruz das Regateiras. E com estes propósitos criaram uma autêntica fortificação na Quinta do Covelo.

Só que os liberais não ficaram quedos. Consta que por iniciativa do próprio D. Pedro IV as tropas constitucionais resolveram, em 16 de Setembro de 1832, desalojar os miguelistas do reduto do Covelo, a fim de ficarem com o controlo daquela zona, de grande importância estratégica para os combates que estavam para vir. Os objectivos dos liberais foram conseguidos. Uma força de "mais de 1400 baionetas", além de terem escorraçado os miguelistas, a quem causaram inúmeras baixas, ainda arrasaram fortificações e destruíram baterias e canhoneiras.

Mas por muito pouco tempo os soldados de D. Pedro lograram manter as posições que haviam conquistado. Os absolutistas contra atacaram, em Março de 1833, e conseguiram, depois de renhidos combates, com enormes perdas para as duas partes, retomar as posições que pouco antes haviam perdido. De imediato iniciaram a construção de "defesas do monte" erguendo ao redor estacadas ou paliçadas com o que pretendiam ocultar os trabalhos de fortificação que andavam a fazer. E os liberais? Que fizeram ?

Voltaram ao ataque. Numa das digressões que diariamente fazia aos locais onde o perigo mais se fazia sentir, D. Pedro passou pela Aguardente (actual Praça do Marquês de Pombal) e apercebeu-se do perigo que constituía para a sua causa o facto de os miguelistas terem retomado o Covelo e providenciou para aquela posição voltasse a ser ocupada pelos liberais. Isso aconteceu a 9 de Abril de 1833. E a delicada e arriscada tarefa foi confiada ao coronel José Joaquim Pacheco que, mais tarde, viria a morrer, em combate, na Areosa. A cidade, agradecida, deu o seu nome à antiga Praça do Mirante que é hoje a Praça do Coronel Pacheco. Uma crónica da época refere esta segunda tomada do Covelo pelos liberais, da seguinte forma "… a 7 de Abril descobriu-se a longa estacada feita pelos miguelistas desde as primeiras casas de Paranhos até às eiras do Covelo. Queriam fortificar-se ali. Não havia tempo a perder. Era preciso desalojá-los. A artilharia dos liberais começou a responder desde as primeiras horas da manhã do dia 9 e durou o fogo até ás seis da tarde. Cruzaram-se os fogos das baterias da Glória (Lapa), do Pico das Medalhas (Monte Pedral), do Sério (alto da Lapa), da Aguardente (Marquês de Pombal) e de S. Brás. Uma força de mil homens saiu fora das linhas parta tomar de assalto o monte do Covelo. Mas no dia seguinte (10 de Abril) os absolutistas voltaram com o intuito de retomarem as posições perdidas e onde os liberais haviam levantado um reduto em menos de oito horas. Estavam lá dentro apenas 200 soldados. Foram atacados por mais de 2000 do inimigo. Foram momentos decisivos. Duzentos homens livres conseguiram pôr em fuga 2000 do inimigo…"

Germano Silva



17.9.08

Rua CAMPOS MONTEIRO

07|09|08

Fotografia publicada no Flickr


Abílio Adriano de Campos Monteiro (1876-1934) nasceu em Moncorvo, Trás-os-Montes. Formou-se em Medicina. Campos Monteiro notabilizou-se como romancista.

Arquivo da Toponímia


Com a História não se brinca, mais uma vez penso que os dados sobre certas personagens publicados na página da Toponímia são demasiado fantasistas. Contrariamente ao que se afirma na página da toponímia portuense, Campos Monteiro faleceu em S. Mamede de Infesta, não em 1934 mas em Dezembro de 1933, senão vejamos:


"Sexta-feira, 16 de Maio de 2008
Campos Monteiro

Desculpem a insistência no Campos Monteiro, mas com este pequeno texto, de aditamento, relativo à homenagem que lhe foi prestada em Moncorvo, parece-me que dou mais alguns elementos pouco conhecidos para quem um dia queira fazer algum trabalho sobre este escritor transmontano.
Rogério Rodrigues



Notícia do Primeiro de Janeiro

Moncorvo homenageia Campos Monteiro

Dez anos após a sua morte, em 1943, Carlos de Passos, amigo de Campos Monteiro prepara e edita uma “Homenagem a Campos Monteiro. Miscelânea de estudos em honra do escritor e do cidadão--1876-1933”. O livro com uma tiragem apenas de 500 exemplares é editado pela Livraria Tavares Martins, Porto, 1943.
Além de vários depoimentos, constantes do livro, na generalidade de escritores e jornalistas de direita e extrema-direita, homens do Estado Novo e monárquicos, o in memoriam trás a notícia do Primeiro de Janeiro dando conta da homenagem que lhe foi prestada em Moncorvo, a 21 de Janeiro de 1934, um mês e meio, sensivelmente, após a sua morte em S. Mamede de Infesta.
Pelo seu interesse, aqui a publicamos na íntegra, com a devida actualização ortográfica:

“MONCORVO, 22 - Na sala de Leitura do Dr. Campos Monteiro, do Club Recreativo Moncorvense, efectuou-se ontem uma sessão solene de homenagem à memória daquele grande escritor, sendo nesse acto descerrada a fotografia daquele conterrâneo ilustre. Assistência numerosa, onde se encontravam as individualidades de maior categoria social desta vila.
Presidiu à sessão o sr. Dr. José de Abreu, digno notário desta comarca e presidente da assembleia geral, secretariado pelos srs. Julião Serra e Alfredo de Sousa, membros da direcção do mesmo Club.
O sr. Presidente abriu a sessão e no seu discurso, que foi cheio de frases eloquentes, focou com brilho admirável a grande figura que foi Campos Monteiro.
Falou em seguida o representante da Direcção Sr. Julião Serra que em palavras singelas pôs em relevo algumas da obras do grande mestre.
Fala depois um novo que promete --o Sr. Telmo da Fonseca --, que num discurso brilhante, cheio de beleza e frases arrebatadoras, enaltece o grande valor moral e intelectual de Campos Monteiro, pedindo no final um minuto de silêncio como homenagem à memória daquela figura que tanto enriqueceu as letras pátrias.
Fala a seguir o Snr. Alcino Alves, digno Inspector da Companhia de Ferro, que num esplêndido discurso pôs em relevo o poeta ilustre que foi Campos Monteiro, além de prosador incomparável e médico distinto.
O retrato, obra admirável da Fotografia Medina, dessa cidade, estava coberto com a bandeira da Municipalidade de Moncorvo, sendo descoberto pela interessante filhinha do membro da Direcção, Sr. Adriano Fernandes e sobrinha do homenageado, Maria Adelaide da Silva Fernandes.
Na biblioteca, em princípio, há 400 volumes, encontrando-se ali representados os maiores escritores, tanto nacionais como estrangeiros, a qual vai ser enriquecida brevemente, com a obra do saudoso morto.
Campos Monteiro que tanto amava a terra em que nasceu, merece uma homenagem mais alta e grandiosa. O nome numa rua, é pouco. Uma lápide na casa onde soltou os primeiros vagidos ainda não é o bastante.
Campos Monteiro, essa distinta figura da literatura portuguesa, merece uma homenagem maior, muito maior, e que mostre às gerações vindouras esse grande vulto que enriqueceu as letras pátrias, foi o orgulho da terra que lhe serviu de berço.
Nota -- Essa homenagem maior está em vias de realização, pois brevemente na sua terra natal se inaugurará o justo monumento comemorativo da nobre figura intelectual que foi o Dr. Campos Monteiro. A iniciativa e a realização do mesmo devem-se a uma comissão de bairristas, formada pelos Exmos Srs: Engenheiro Guilherme de Castro Leandro, Dr. António Joaquim Marrana, Alferes António Augusto Serra, Amadeu Ferreira d’Andrade, Claudino d’Oliveira Pereira e António José Martins”.

Era esta a notícia do “Primeiro de Janeiro”, provavelmente de um correspondente local. Em 1939, da autoria de Sousa Caldas, foi erguida a escultura de Campos Monteiro frente à Câmara Municipal."

Postado por: rogerio rodrigues
publicado em "à descoberta de Torre de Moncorvo"



O Grémio Literáro Vilarealense também nos fala de Camps Monteiro aqui:

http://gremio.cm-vilareal.pt/index.php?Itemid=54&id=60&option=com_content&task=view


Sobre as cidades...

Discussão sobre as cidades acontece cada vez mais através dos blogues

Por Tiago Dias - tdf@icicom.up.pt
Publicado: 16.09.2008

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A blogosfera tornou-se num espaço de denúncia e de discussão sobre o que corre mal nas cidades. E também sobre o que há a fazer para melhorar.

Paredes desfiguradas, bairros abandonados, jardins que de jardim só têm o nome, pobreza escondida, cidades cinzentas. Estes cenários são comuns em vários pontos do país. E ao vê-los, a vontade de fazer algo para os corrigir aumenta. Até aqui a questão sempre foi "como?".

A Internet trouxe múltiplas possibilidades de contactos e de novas interacções, mas despertou, também, dezenas de pessoas para a capacidade - e facilidade - de inovadoras formas de participação política e denúncia. Os blogues são apenas o mais recente e, talvez, o mais bem sucedido caso. Apesar de não haver uma rede que una os blogues das várias cidades, são espaços cada vez mais activos. Fora das lides partidárias, apesar de as discussões muitas vezes resvalarem para o campo político, o objectivo é ter um papel na renovação e na melhoria das cidades.

Em 2004, a Câmara do Porto inaugurou um fórum de discussão para debater o Plano Director Municipal. O espaço virtual foi uma experiência positiva e quando a autarquia o decidiu encerrar, terminado o debate, os utilizadores ficaram "sem casa", como diz ao JPN Tiago Azevedo Fernandes. Contudo, este membro do fórum decidiu "realojar" quem pretendia discutir problemáticas da cidade: nascia "A Baixa do Porto". Desde 2004, este blogue, que é mais do que um blogue normal, tem sido um espaço de discussão extremamente dinâmica sobre o Porto e sobre a região Norte.

"Com a participação que houve de muita gente qualificada como arquitectos, engenheiros, mas que ia também de pessoas anónimas a figuras públicas, [o "Baixa do Porto"] foi ganhando alguma dimensão e relevo político", diz o fundador, Tiago Azevedo Fernandes, também conhecido pelas iniciais, TAF. "A Baixa do Porto" é um espaço aberto a todos que quiserem participar, bastando para isso enviar um e-mail com o texto para o seu "moderador". "Não é um blogue de autor. É um blogue público, qualquer pessoa pode escrever lá, desde que respeite o tema e me envie um e-mail. O blogue não é meu a não ser no sentido de ser eu o moderador", afirma.

O blogue atingiu tal relevo que chega a receber o contributo ocasional do vereador do Urbanismo da Câmara do Porto, Lino Ferreira, e em tempos também contou com as participações do anterior vereador desse pelouro, Paulo Morais. Aquando da discussão sobre a alameda Nun'Alvares, diz Tiago Azevedo Fernandes, "A Baixa do Porto" foi formalmente convidado pela autarquia para comentar o projecto, a par das ordens dos Engenheiros e dos Arquitectos.

Com uma média de 600 visitas diárias, o blogue tornou-se numa referência de informação e de debate na cidade. "Há muita gente com interesse e com capacidade de intervenção, mas que antes desta era dos blogues pensava 'se calhar sou só eu que penso assim, não vale a pena falar'. As pessoas perceberam que há muita gente, mesmo que não seja a maioria, que pensa da mesma maneira, ou que pelo menos tem ideias compatíveis. Esse papel, a blogosfera veio trazer e é uma novidade. Um artigo no jornal pode ser aceite ou não; no blogue é publicado e acabou", explica o fundador d'"A Baixa do Porto".

De Norte a Sul

Surgiram outros blogues sobre o Porto, de debate ou não, como o "Ruas da minha terra". E noutros pontos do país, este fenómeno também se gerou. Na ponta a Sul do país, "A Defesa de Faro" foi criada em Fevereiro de 2006, com o objectivo "de juntar à distância de um clique todos aqueles que amam profundamente a cidade", diz ao JPN um dos dinamizadores do blogue, Nuno Graça, que admite a inspiração em projectos como "A Baixa do Porto".

Nuno Graça salienta a importância de serem criados novos espaços de participação popular, tomando em conta aquilo que muitos vêem como sendo o crescente afastamento entre as pessoas e os poderes autárquico e central. "O nosso blogue serve só para dar um espaço a pessoas que poderiam escrever em locais de grande visibilidade, mas não tem essa oportunidade, assim como, para dar a conhecer histórias de Faro", explica, por e-mail.

"Uma cidade sem memória, sem história, é um subúrbio condenado ao desaparecimento. Por isso, este blogue é feito por todos e espera todos os dias ter novas histórias para contar. E também espera lhe cheguem ideias construtivas e alguns problemas que não nos cansaremos em denunciar", declara Nuno Graça.

Blogues como voz da população

Os blogues urbanos não são um acontecimento confinado às maiores cidades. Em Santo Tirso foi criado o "Santo Tirso SemVida", num trocadilho feito a partir do slogan "Santo Tirso ConVida". "Santo Tirso encontra-se sob o mesmo governo há varias décadas, fazendo com que a acomodação deste transforme Santo Tirso num concelho estagnado", acusa Alberto Castro, o fundador do blogue, que também aceita colaborações de qualquer pessoa.

O dinamizador deste espaço virtual afirma ao JPN que tem recebido um crescente apoio da população nos temas discutidos no blogue e explica que pretende que o "Santo Tirso SemVida" seja "a voz - politicamente independente - do descontentamento dos vários cidadãos tirsenses que reclamam uma mudança para Santo Tirso". Apesar de reconhecer que há vários participantes que fazem parte da oposição local, Alberto Castro acredita que "a actividade política deverá ser exercida nos locais próprios e não estar excessivamente dependente da utilização das potencialidades da Internet".

"É esta a cidade onde quer viver?"

Também em Lisboa começou a aparecer este tipo de blogues. Em Março deste ano nascia o "Observatório da Baixa", chamando a atenção para o facto de a Baixa voltar "a estar na ordem do dia da agenda dos poderes públicos. Voltam as ideias, as presunções e as tentações. Umas novas, outras velhas. Há mais de 30 anos que assim é." No primeiro post acrescentavam: "cumpre-nos, pois, enquanto alfacinhas, zelar pela Baixa e é isso que faremos".

O fenómeno ampliou-se e teve aquilo que pode ser visto como o seu pico com a fundação do "Lisboa S.O.S.". Com o subtítulo de "É esta a cidade onde quer viver?", os seis autores do blogue não se prolongam em escrita. Preferem a fotografia para mostrar e denunciar a sujidade da cidade, a falta de civismo, a degradação do espaço urbano.

Um dos membros do blogue, que preferem manter o anonimato, afirmou, em entrevista ao JPN, que "'mostrar', através de fotografias, que não mentem" é mais importante "do que 'debater' com argumentos que visam objectivos tantas vezes de outra natureza - essencialmente, política". "E, além disso, mostrar imagens já é uma forma de contribuir para qualquer debate. Com uma vantagem: é a forma mais objectiva possível. Contra fotos não há argumentos".


publicado aqui:http://jpn.icicom.up.pt/2008/09/16/discussao_sobre_as_cidades_acontece_cada_vez_mais_atraves_dos_blogues.html

Agradeço!




3.9.08

Seria muito desonesto ficarem a ver as freiras


Por meados do século XVI, quando andava a ser construído o mosteiro de S. Bento da Ave-Maria, de monjas beneditinas, aquela zona da cidade que vai da actual Praça de Almeida Garrett, pelas ruas do Loureiro e Chã, até ao cimo da Rua do Corpo da Guarda, devia ser um dos sítios mais pitorescos e de maior movimento no Porto desses tempos.

Caminho obrigatório dos arredores para o centro nevrálgico da urbe medieval, pela velhinha Porta de Vandoma até ao cimo do Corpo da Guarda, a antiga Cividade (era assim que se denominava toda aquela vasta área) deve ter sido um rumoroso mundo, álacre e guizalhante, no ambiente típico de uma cidade medieval, em que se misturavam judeus e mouros de albarnoz; clérigos de sotaina e frades de hábito, com o formigueiro dos mesteirais e das vendedeiras no alarido dos seus pregões.

Pois foi por essa época (26 de Novembro de 1527) que à Câmara do Porto chegou uma curiosa carta de D. João III.

O monarca, que escreveu de Coimbra, pedia aos edis portuenses que consentissem em que fosse tapada determinada rua ou travessa sob a alegação de que essa artéria "… ia ter ao lugar por onde havia de ir (passar) a cerca do mosteiro novo das monjas…" de S. Bento da Ave-Maria.

O rei justificava a petição com o seguinte argumento que a tal rua ou travessa "… estava num cabeço allto, de que se descobre a mór parte da orta do mosteiro novo das monjas, o que é desonesto por dhai se poderem ver as freiras sempre que elas saiem à dita orta…"

Tratava-se, portanto, de uma questão de privacidade plenamente justificada e que a Câmara atendeu.

Ocorre agora perguntar e que rua ou travessa era essa que o rei pediu para que fosse tapada ?

Vamos por partes o mosteiro de S. Bento da Ave Maria começou a ser construído, em 1518, em terrenos onde antes ficavam as hortas do bispo que ali tinha, também, um faval. Era, por isso, que a actual Praça de Almeida Garrett se chamava, em tempos idos, Praça da Faval. Este faval ocupava o terreno onde hoje está o edifício da estação e gare.

Acrescente-se, a título de informação que, ao tempo a que se reportam os acontecimentos que aqui estamos a evocar, meados do século XVI, a maior zona verde da urbe, intramuros, situava-se, exactamente, na zona contígua à Porta de Carros, atravessando uma vasta área coberta " de pomares, hortas, fontes e sua água..." como se lê num documento de doação.

Voltemos à construção do mosteiro das monjas beneditinas no faval do bispo.

Para que o convento pudesse ser construído, com a respectiva cerca, houve necessidade de encerrar a primitiva Porta de Carros que havia sido aberta, na muralha fernandina, em 1409, "junto à fonte da Teresa", num local que hoje podemos considerar como sendo ao fundo da actual Rua da Madeira, antiga Calçada da Teresa.

Para substituir aquela porta foi aberta, em 1521, uma outra , "…a pouco mais de cem passos para o lado do Oriente…" que ficava mesmo em frente à entrada principal da igreja dos Congregados e ligava, directamente, com a Rua das Flores que também andava a ser aberta por essa altura.

O acesso à primitiva porta de Carros fazia-se por um arruamento que vinha directamente da Rua Chã, de junto do sitio "onde havia uma vistosa fonte que era alimentada com água do manancial de Mijavelhas", e atravessava a parte de cima das hortas do bispo sensivelmente. Seria esta a antiga Rua do Faval ou a desaparecida Viela d a Cividade de que tanto se tem falado ? Nós não temos a certeza mas do que não há dúvidas é que foi esta a artéria que D. João III pediu para que fosse tapada a fim de garantir a privacidade das freiras que andassem na cerca do seu mosteiro.

Germano Silva

Rua da QUINTA AMARELA

De do tempo e da luz


A Quinta Amarela está intimamente ligada à história da Faculdade de Letras do Porto, aquela que foi fundada por Leonardo Coimbra. Actualmente o edifício é ocupado por um colégio dependente da Associação dos Antigos Combatentes para a educação de jovens do sexo feminino.


Historial

«A Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) foi criada por Leonardo Coimbra que, em diploma, deu forma a uma pretensão antiga da Universidade do Porto. A sua história acompanhou as vicissitudes da história política portuguesa durante o século XX e pode dividir-se em duas fases: de 1919 a 1928 e de 1961 até à actualidade.
Funcionou inicialmente, em salas da Faculdade de Ciências, tendo transitado para a Quinta Amarela na Rua Oliveira Monteiro, nº.833.
Veio depois a ocupar as instalações da Rua do Breyner, nº.16 de onde transferiu o funcionamento de alguns dos seus cursos para a antiga Escola Médica e para a Rua das Taipas.
Daí transitou para o Palacete Burmester e para o Seminário do Vilar até à sua instalação na Rua do Campo Alegre, nº.1055 onde funcionou até Dezembro de 1995.
Em Janeiro de 1996 passou a funcionar na Via Panorâmica, cujas instalações se encontram, actualmente, em fase de ampliação.
A FLUP foi criada pelo artigo nº 11º da Lei nº 861, de 27 de Agosto de 1919 formando 167 licenciados nos cursos de Filologia Clássica, Filologia Instalações na Rua do Breyner
Rua do Breyner Românica, Filologia Germânica, Ciências Históricas e Geográficas e Filosofia até à sua extinção formal pelo Decreto nº 15.365, de 12 de Abril de 1928.
O último exame de licenciatura foi realizado a 29 de Julho de 1931 e pelo Decreto-Lei nº 23.180 de 31 de Outubro de 1933, os professores adidos da extinta Faculdade foram mandados prestar serviço como professores provisórios nos liceus.
A FLUP foi posteriormente restaurada em 1961 pelo Decreto nº 43.864, de 17 de Agosto.

Reiniciou a sua actividade no ano lectivo de 1962-1963 com duas licenciaturas, História e Filosofia, e com o curso de Ciências Pedagógicas.
Aquando da sua reabertura em 1961, a Faculdade regia-se pelas disposições do Estatuto da Instrução Universitária de 1930 (Decreto nº 18.717, de 2 de Agosto) e demais legislação complementar.

Só depois da Revolução de 1974 foram ensaiadas as primeiras tentativas no sentido de estruturar o sistema de gestão dos estabelecimentos do ensino superior com a publicação do Decreto-Lei nº 806/74, de 31 de Dezembro e com o Decreto-Lei do Conselho da Revolução nº 363/75, de 11 de Julho que lançou as bases de reforma do ensino superior.

Mais tarde, o Decreto-Lei nº 781-A/76, de 28 de Outubro, veio estabelecer e regular o Sistema de Gestão Democrática dos estabelecimentos de ensino superior.

Posteriormente com a publicação do Decreto-Lei nº 66/80, de 9 de Abril, fixou-se o quadro jurídico do funcionamento das unidades científico-pedagógicas do ensino superior segundo uma organização por departamentos.

Com a aprovação do Decreto-Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, fixara-se as bases do sistema educativo nacional e com o Dec Lei nº 108/88, de 24 de Setembro foi estabelecida a autonomia das universidades portuguesas.

Foi ao abrigo do disposto no Dec Lei nº 108/88, de 24 de Setembro que foram elaborados os Estatutos da Universidade do Porto, nos quais ficou consagrada a competência de cada Faculdade e Instituto, enquanto unidades orgânicas da Universidade do Porto, para a elaboração de um Estatuto próprio, para a definição da estrutura de gestão adoptada, bem como para a organização interna e os princípios que devem orientar essa gestão.

Entre 1961 e 2003, a FLUP foi criando outros cursos de licenciatura: Filologia Românica em 1968, Filologia Germânica e Geografia em 1972, Sociologia em 1985 e Estudos Europeus em 1996.

Em 1977, as Filologias deram lugar ao curso de Línguas e Literaturas Modernas com múltiplas variantes.

Em 1980 foram criadas, na licenciatura de História, as variantes de Arqueologia e de História da Arte.

Mais tarde, em 1982, a FLUP iniciou o ensino pós-graduado oferecendo, actualmente 27 cursos de pós-graduação distribuídos por diversos domínios científicos e conferindo uma variada gama de diplomas e graus académicos.»





"FACULDADE DE LETRAS DO PORTO - Criada por Leonardo Coimbra começou a funcionar na Quinta Amarela, na Rua Oliveira Monteiro. Salazar mandou-a encerrar em 1931. Reaberta em 1961. Em 1945 torna a falar-se da injustiça de a Universidade do Porto não ter uma Faculdade de Letras. Em Novembro de 1945, um certo Álvaro Ribeiro que escreve de Lisboa e é defensor da reabertura diz: «O respeito pela verdade manda dizer que esta escola funcionou afastada da simpatia dos portuenses cultos e dos representantes das entidades oficiais pois basta rememorar que até professores e estudantes das faculdades mais antigas olhavam com desdém para a nova escola de humanidades. A extinção da Faculdade de Letras foi admitida com indiferença pela maioria da população da cidade. Não houve perseverança, nem persistência, na atitude que competia às autoridades políticas e administrativas, às instituições culturais, à imprensa diária e até às associações de interesses económicos: renovar, tantas vezes quantas as possíveis ou necessárias, o respeitoso e fundamentado requerimento em que se solicitasse do ministro da Educação Nacional o restabelecimento de uma escola indispensável ao aperfeiçoamento cultural das novas gerações portuenses.» «O que tornou admirável a actividade da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o que lhe seu invulgar eficiência pedagógica e profícua extensão universitária, foi o modo de recrutamento do seu pessoal docente. Os laços de comprovada amizade e o sentido de afinidade espiritual garantiram à maioria dos professores dessa escola a realização de uma obra que só hoje é apresentada com justiça e rememorada com saudade.» «O prestígio da extinta Faculdade dependeu principalmente da secção de filosofia, e, a seguir, de história, sem que esta verdade signifique desvalorização dos grupos de filologia.» «...os diplomados pela extinta Faculdade foram obrigados a abandonar o Porto...para procurarem campo de actividade profissional. - nem os colégios particulares, nem as casas editoriais, nem as empresas jornalísticas lhes ofereceram trabalho suficiente...» «O Porto perdeu por voluntário desinteresse, muitos elementos que foram fortalecer as instituições culturais das outras cidades. Nunca mais houve uma associação como a Renascença Portuguesa, ou uma revista como A Águia.» "

Notas coligidas por Jorge Rodrigues


Actualização de Dezembro de 2012

Como foi referido mais acima, o Edifício é ocupado por um colégio que pertence à Liga dos Combatentes do Porto assim como, desde 2010, uma creche.

«UM POUCO DA HISTÓRIA DO LAR DOS FILHOS DOS COMBATENTES 


Seis dias depois da intervenção de Portugal no grande conflito mundial de 1914/18, um grupo composto por categorizadas figuras da invicta cidade do Porto, de que destacamos, sem desprestígio para qualquer outro, o eminente professor que foi o Dr. Alberto de Aguiar, lança naquela cidade um movimento de exaltação patriótica, propondo-se glorificar e alentar os que partiam para os campos de batalha e ao mesmo tempo amparar os filhos dos que perdessem a vida ao serviço da Pátria.

Estamos em Março de 1916. Assim nasce a «Junta Patriótica do Norte cujas funções se condensavas à propaganda patriótica e à assistência-socorro às vítimas da Guerra. A um movimento com tão nobres e elevados propósitos, chegam constantes adesões. E graças a elas, em 25 de Junho de 1917, a Junta Patriótica do Norte funda a Casa dos Filhos dos Soldados, instalando-a num prédio que para o efeito aluga na Rua de Cedofeita.

A Casa dos Filhos dos Soldados recolhe então os primeiros 50 órfãos de guerra, de ambos os sexos, alguns deles apenas com meses de idade. A obra vinga e prospera mercê de grandes dedicações, especialmente do núcleo Feminino de Assistência Infantil que trabalha agregado à Junta, e ao qual preside uma ilustre senhora D. Filomena Sequeira de Oliveira. Conjugando as suas funções de creche com outras, a Casa dos Filhos dos Soldados procura ministrar aos seus educandos, consoante as idades, a par duma sólida educação moral e cívica, uma instrução elementar primária, precedida do ensino "Jardim-Escola" e seguida de educação profissional nomeadamente em artes e ofícios.

Em 20 de Julho de 1934 a Junta Patriótica do Norte consegue ver realizada a sua aspiração, comprando por 110 contos a propriedade designada por “Quinta Amarela” na Rua Oliveira Monteiro, no Porto, com uma área total de 11.200m2 incluindo 1.500 de habitação. Mas um ano depois, portanto em 1935, a Junta Patriótica do Norte começa a lutar com enormes dificuldades para manter a Casa dos Filhos dos Soldados. Tinham desaparecido, andavam dispersos ou desalentados muitos dos que com o seu entusiasmo e fé tinham criado uma obra que merecera ser distinguida, em 28 de Janeiro de 1921, com o grau de Cavaleiro da Ordem Militar da Torre de Espada, Valor, Lealdade e Mérito. Iniciam-se as diligências no sentido da Junta Patriótica do Norte ceder à Liga doe Combatentes os seus bens, única instituição existente digna de ser considerada herdeira daquele prestante organismo. 

As diligências arrastam-se, há necessariamente que acertar pormenores, preencher formalidades burocráticas. Mas finalmente, em 24 de Janeiro de 1938, a Liga dos Combatentes assina a escritura que lhe confere a posse da Casa dos Filhos dos Soldados. O acto realiza-se na presença de numeroso e selecto público, a ele tendo presidido o comandante da 1.ª Região Militar, general Schiappa de Azevedo.

Para a Casa dos Filhos dos Soldados vai principiar um período de transformações. Dão-se às instalações uma forma funcional, ao mesmo tempo que se dotam de equipamentos novos; elabora-se um regulamento; permite-se aos educandos uma preparação educativa enquadrada na época em que se vive. Nunca mais se pára. Vai-se de reforma em reforma, numa batalha que não admite tréguas para se poder elevar o estabelecimento ao nível educacional que o torne útil ao país.
Em 1947 por ter sido abolido, por determinação oficial, o regime de co-educação, a Casa dos Filhos dos Soldados passa a ser um estabelecimento de educação e ensino para o sexo feminino, mantendo a Liga dos Combatentes o propósito de fundar uma secção masculina logo que surja uma melhor oportunidade.

Decorridos alguns anos, em 1962, procede-se à transformação completa do velho edifício, tornando as suas instalações amplas, arejadas e apetrechadas com outro equipamento. Outras obras de construção se sucedem, só concluídas em 1968. É certo que toda a transformação da Casa dos Filhos dos Soldados se ficou devendo ao espírito dinâmico, empreendedor e inteligente do que foi fundador o secretário-geral da Liga aos Combatentes, João Jaime de Faria Affonso.

Obra com finalidades educativas encontrou, como é óbvio, generoso apoio dos Ministros das Obras Públicas, do Ultramar e do Exército e ainda da Fundação Calouste Gulbenkian. Mas um estabelecimento com funções tão específicas tem que sofrer constantes inovações. Por isso, em 1970, procura-se estruturá-lo nas concepções modernas que se impõem, passando a Casa dos Filhos dos Soldados a designar-se por Lar dos Filhos dos Combatentes.

Simultaneamente procede-se ao desdobramento do estabelecimento em duas secções, funcionando uma na Aguda e outra no Porto, possibilitando-se, deste modo, uma maior frequência de educandas. As alunas pertencentes à secção primária, por obsequiosa deferência da Fundação dos Armazenistas de Mercearia, são alojadas em edifício próprio daquela Fundação existente na Aguda, enquanto que as alunas que cursam os ensinos técnicos e liceal continuam instaladas na Quinta Amarela, no Porto.

O ano lectivo de 1970/71, nas duas secções, acusou um movimento escolar de 60 alunas, de idade entre os 7 e 18 anos. Tudo se prepara, porém no sentido de intensificar um melhor conhecimento do estabelecimento entre os sócios da Liga dos Combatentes com filhos em idade escolar, esperando-se que a população aumente consideravelmente no ano lectivo de 1971/72.

Educar, preparar a juventude para o trabalho, é uma tarefa ingente que obriga indubitavelmente ao dispêndio de multas energias. A Liga dos Combatentes, à qual preside uma distinta figura de militar general Arnaldo Schulz, no cumprimento da sua acção cultural está cada vez mais empenhada no aperfeiçoamento de métodos de educação, elaborando programas pedagógicos que correspondam às reformas oficiais do ensino que estão sendo introduzidas no país para que este atinja a promoção económica e social a que aspiram todos os portugueses.



Lisboa, 01 de Setembro de 1971»

Texto disponível no sítio da Liga dos Combatentes.